Folha de S.Paulo

Um jornal a serviço do Brasil

  • Assine a Folha
  • Atendimento
  • Versão Impressa
Seções
  • Opinião
  • Política
  • Mundo
  • Economia
  • Cotidiano
  • Esporte
  • Cultura
  • F5
  • Classificados
Últimas notícias
Busca
Publicidade

Seres Urbanos

Prédios e pessoas na metrópole paulistana

Perfil Vanessa Correa é jornalista especializada em arquitetura e urbanismo

Perfil completo

Prefeitura quer "coworking" público em fábricas antigas

Por Vanessa Correa
03/01/15 10:42

Como proteger as fábricas antigas, o mais significativo legado histórico do surgimento da São Paulo metrópole, diante da pressão do mercado para tornar as zonas industriais um grande mar de novos condomínios de apartamentos?

Para preservar edifícios industriais do começo do século passado, a prefeitura estuda mecanismos que facilitem a doação ou aquisição desses imóveis. Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, uma das ideias é criar nesses lugares equipamentos públicos como espaços de trabalho compartilhados para jovens empresários.

Em entrevista exclusiva à Folha, Mello Franco falou sobre a preservação do patrimônio fabril e também sobre a importância de se manter no zoneamento as áreas dedicadas às indústrias.

Folha – É necessário manter zonas industriais em uma cidade que tem nos serviços sua base econômica?

Fernando de Mello Franco – A cidade precisa de espaços para algumas funções específicas. Fazendo uma correlação, um apartamento sem área de serviço não funciona muito bem. Ocorre o mesmo com São Paulo. Se há um setor que está crescendo muito em seu peso relativo na economia da cidade é o setor logístico. Há um mercado gigantesco aqui dentro da cidade, e grande parte do que circula no Estado como um todo tem como origem o abastecimento da própria cidade. Precisamos de área para isso, e para serviços relacionados, por exemplo, a tratamento de resíduos, triagem, ecopontos e tal. Coisas que geram incômodos.

E o setor industrial em si ainda é importante na cidade?

Há uma série de indústrias que ainda estão dentro da cidade e que ficarão dentro da cidade por muito tempo, como as indústrias gráfica e de alimentação. Ou mesmo a indústria de cosméticos, que está totalmente relacionada ao consumo da própria metrópole. Identificamos uma série de setores produtivos que têm desejo de ficar, porque têm uma relação muito grande com os centros de pesquisa e inovação ou com o centro consumidor, por exemplo. Há outras áreas aí para a expansão do mercado imobiliário, mas não para a expansão desses setores incômodos. Se edifícios de apartamentos são construídos em áreas industriais, no dia seguinte quem comprou vai reclamar da incomodidade e gerar uma pressão para que a indústria saia de lá.

É senso comum que essas áreas são vistas pelo mercado imobiliário como áreas para expansão de empreendimentos, por causa dos grandes terrenos. O setor não pressiona por uma desregulação das zonas industriais?

Sim, são terrenos planos, grandes, estão perto de grandes vias e assim por diante. Mas esse debate não aconteceu nas oficinas do zoneamento [a Lei de Zoneamento está em fase de revisão e o novo texto será enviado pela prefeitura à Câmara Municipal no início de 2015]. A gente está entendendo que não há uma discordância dessa nossa posição.

Como será essa questão na operação urbana Mooca-Vila Carioca?

Nessa operação a gente preserva dois territórios, duas zonas específicas: uma mais voltada às questões logísticas na Vila Carioca, e outra voltada a atividade industrial na Mooca, onde há uma presença significativa de empresas de metalurgia. Ao mesmo tempo, tem todo um projeto que visa compatibilizar essas zonas também com áreas lindeiras para onde se pretende o desenvolvimento imobiliário, sobretudo para habitação.

Está se formando um consenso de que o patrimônio industrial é muito representativo, senão o mais representativo, da história paulistana. Quais serão os mecanismos para a preservação desses imóveis?

Concordamos que o patrimônio industrial é importante. A gente nunca teve um colonial importante aqui, e o que tinha foi destruído. Nunca teve um barroco significativo como em Minas ou Salvador. Especificamente para a operação Mooca-Vila Carioca, a gente está superpreocupado. Tem uma área que fica no entorno da antiga fábrica da Antártica e dos moinhos também. Só que a gente não tem recursos para desapropriar. A gente está pensando em mecanismos, como a transferências do potencial construtivo dessas áreas para outros terrenos, que incentivem a doação de certos equipamentos para a prefeitura. Assim o poder público pode escolher o destino delas. Não quero te adiantar porque a fórmula não está fechada. A gente está estudando o caso de Nova York. Lá, a autoridade portuária é pública, e é dona de toda a borda de Nova York, então fica mais fácil uma política de destinação.

E o que a prefeitura de São Paulo poderia fazer com essas áreas?

Por exemplo, a gente pode criar polos de inovação, com “startups”. Essas empresas não têm como bancar aluguéis, que são caros para quem está começando. Vários lugares do mundo já estão praticamente disponibilizando esses espaços como uma política de incentivo para muitos setores produtivos. Mas o município precisa ser dono do imóvel.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Guia de arquitetura do IAB-SP vai além do óbvio no centro

Por Vanessa Correa
02/12/14 13:51

Quem já conhece os prédios mais famosos do centro, como o Copan, o Itália e o Martinelli, e quer visitar emblemas menos óbvios da arquitetura paulistana pode achar o que procurava na página do “Passeios de Arquitetura”, do IAB-SP (Instituto de Arquitetos do Brasil).

O instituto já mapeou 48 imóveis, todos com fotos, autor e data de construção. Como o projeto ainda está em andamento, por enquanto apenas dez prédios tem verbetes detalhados, como o do edifício Renata Sampaio Ferreira, de Oswaldo Bratke. São textos curtos, mas críticos, escritos por pesquisadores e voltados para arquitetos ou apreciadores de arquitetura.

A ideia de fazer os roteiros surgiu da necessidade: o IAB-SP se tornou uma espécie de anfitrião acidental da arquitetura paulistana. É que a diretoria do instituto sempre recebeu em sua sede, na rua General Jardim (centro de São Paulo), arquitetos estrangeiros e de outros Estados que buscavam conhecer os edifícios importantes nas imediações.

Até outro dia isso era feito no improviso, em cima de mapas turísticos, onde os prédios relevantes eram marcados com caneta mesmo. Mas desde o início do ano, três arquitetos do conselho do IAB-SP mapeiam imóveis importantes da região central.

A primeira fase do projeto se concentrou em imóveis que ficam a até 600 metros da sede do IAB. Os mapas online foram pensados para o acesso a partir de smartphones, já que a ideia é que sirvam de guia para quem passeia pela região.

A tarefa é contínua, com adição de novos edifícios e verbetes, e será logo ampliada para um raio de até dois quilômetros do prédio do IAB (ele mesmo um dos que já aparecem no guia). Áudios e vídeos dos edifícios também estão nos planos, diz o arquiteto Rafael Schimidt, um dos organizadores dos roteiros e responsável pelas fotos que acompanham cada obra.

Segundo Rafael, por causa do nome “Passeios de Arquitetura” muitas pessoas entraram em contato querendo saber quando seria o próximo… passeio! Por isso, o IAB já está se preparando para oferecer caminhadas guiadas. As datas serão divulgadas em breve no site do projeto.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Urbanismo ecológico: a cidade como projeto político

Por Vanessa Correa
19/11/14 13:06
O diretor da escola de de design e arquitetura de Harvard, Mohsen Mostafavi, durante visita a São Paulo

O diretor da escola de design e arquitetura de Harvard, Mohsen Mostafavi, durante visita a São Paulo

O urbanismo sustentável é muitas vezes apenas um “clichê”, uma “forma de legitimação técnica para promover soluções convencionais”, de acordo com Mohsen Mostafavi, 60, diretor da Faculdade de Design e Arquitetura da Universidade Harvard, nos EUA.

Já o chamado urbanismo ecológico, tema e nome de um novo livro organizado pelo iraniano-americano, se propõe a pensar a cidade também sob as dimensões política, ética e estética, numa síntese entre ecologia, economia política da cidade e design.

“Quando digo que o urbanismo ecológico é um projeto político, quero dizer também que a cidade é um lugar de conflitos, não só de consenso. E a cidade precisa ter uma estrutura para esse embate”, diz o diretor.

Leia abaixo a entrevista exclusiva concedida por Mohsen para a Folha (um pequeno extrato da conversa já havia sido publicado no caderno “Cotidiano”) quando ele esteve no Brasil para o lançamento do livro “Urbanismo Ecológico” [GGili, 656 págs., R$ 120]. Na conversa, Mohsen também falou do papel do arquiteto como profissional e comentou a qualidade de projetos de Lina Bo Bardi e Vilanova Artigas, em oposição a uma arquitetura de ostentação que se difunde tanto aqui como nos EUA.

Qual foi sua primeira impressão da cidade de São Paulo como arquiteto?
[Tive a impressão] que é uma cidade incrivelmente dinâmica, que um monte de coisas estão acontecendo, que as pessoas são muito sociais. Isso é muito palpável. Você sente aqui que há participação das pessoas, engajamento. É um uso da cidade muito diferente do que se vê nos Estados Unidos.

É curioso você ter comentado isso, porque entendemos com um problema da cidade a falta de convivência no espaço público. Talvez isso esteja latente e seja só uma questão de promover.
Certamente vocês têm isso em vocês.

E, afinal, o que é urbanismo ecológico?
É vermos nossas cidades de uma maneira diferente, combinando diferentes sensos de estética, política e ética, ao mesmo tempo sendo mais sensíveis à limitação de recursos naturais. O que não é o mesmo que cidade sustentável ou arquitetura sustentável.

Qual é a diferença?
A diferença é que, quando as pessoas pensam sobre sustentabilidade, muitas vezes elas estão pensando apenas em gerenciamento de recursos limitados, de modo a usá-los menos. A ênfase recai sobre a redução do gasto de energia, com vidros que deixam passar menos insolação, esse tipo de coisa. Isso é bom. Mas sabemos que esse sistema se baseia em uma posição moral, no sentido de que é a coisa certa a se fazer. Projetamos coisas que são boas na intenção, mas o que fazemos em nome de boas intenções nem sempre é bom. Porque não há uma correlação forte entre intencionalidade e resultado.

Para mim, a ideia de uma dimensão de desempenho da cidade é um aspecto inseparável do urbanismo ecológico. Temos que fazer duas coisas ao mesmo tempo. Podemos ser mais cuidadosos e, ao mesmo tempo, melhores?

O que você quer dizer com desempenho?
As coisas têm um desempenho funcional, mas também um desempenho social, espacial. Você vai no centro comunitário da Lina Bo Bardi [Sesc Pompéia], que muitas pessoas dizem que é o melhor deles [dos Sescs]. Mas por que é tão apreciado? Porque as pessoas estão usando ele de fato. Da entrada, passando pela biblioteca, ao banho de sol, à piscina, tudo tem uma atmosfera particular. Portanto, a ideia de performance se torna muito próxima de atmosfera, de sensação.

Você me perguntou sobre minha primeira impressão da cidade: era uma pergunta sobre atmosfera. Claro que não há uma receita para criar atmosfera. Na medicina, para se descobrir a cura de uma doença, é preciso pesquisa. Nas cidades também é assim. A questão também é metodológica: como devemos fazer a cidade? Por um lado, é um tipo de posição filosófica e política; por outro, é a busca por um novo método, por novas formas de fazer as coisas, e que variam de lugar para lugar.

Então o urbanismo ecológico também faz parte da crítica da arquitetura moderna, que buscava soluções universais para o problemas das moradias e do urbanismo?
Sim, há uma crítica do zoneamento modernista, da separação de zonas, com o lugar das casas separado da dimensão do trabalho, do lazer. Em cidades antigas, por causa de seu desenvolvimento orgânico, você vê mais fusão entre as diferentes funções. Mas a natureza das nossas cidades está mudando. Não é necessário ser romântico sobre as coisas, querer apenas o que é tradicional, o que foi a manifestação da vida em um determinado momento. A mistura de funções também é um jeito de fazer a crítica do planejamento modernista. Precisamos encontrar uma alternativa.

Os EUA foram na mesma direção do planejamento modernista. Ou então para o “novo urbanismo”, que é essa ideia de uma versão mais nostálgica da cidadezinha, da casa, onde todo mundo é amigo, existe uma comunidade, todo mundo concordando, somos todos bonzinhos. Só que não é bem assim. Então, quando digo que o urbanismo ecológico é um projeto político, quero dizer também que a cidade é um lugar de conflitos, não só de consenso. E a cidade precisa ter uma estrutura para o conflito. Não para ficarmos brigando uns com os outros, mas no sentido que é possível discordar. Apenas quando as cidades se tornam lugar de dissenso elas se tornam lugares da democracia. O urbanismo ecológico também pensa o espaço como componente importante da democracia.

E como se projetam lugares para esse embate?
Em certas tradições literárias há muita descrição de vidas que estão acontecendo no contexto de diferentes cidades, com uma visão inseparável da vida e do lugar. Quando James Joyce escreve sobre a vida, está escrevendo também sobre Dublin como um lugar. A localização, a altitude, as montanhas que a circundam, mas também a cultura das pessoas. Então, pra mim isso é importante.

Neste livro [Urbanismo Ecológico], eu tento colocar escritores diferentes para escrever sobre cidades diferentes. Quando você quer fazer um projeto, você desenha imaginando o que vai acontecer naquele desenho. E, ao mesmo tempo, você não quer controlar. E às vezes funciona, às vezes não, ou chega perto do que você imaginou, ou é só ligeiramente diferente. Mas é necessário imaginar o que pode acontecer no ambiente, em vez de imaginar apenas tipologia pura. É pensar que certa tipologia tem uma consequência.

As pessoas em São Paulo na rua, as famílias sentadas num café, a mistura de diferentes classes sociais mostram interações operando no espaço. Parece que é uma coisa simples, mas não é. Quando você tenta criar, como urbanista, a possibilidade de metodologias alternativas, você também está criando metodologias que não são neutras. Elas têm uma posição, que é também possibilitar diversos níveis e formas de participação.

Estou agora terminando um terceiro livro, chamado “Ética do urbano: as cidades e o espaço do político”. E esse é sobre a relação do que nós consideramos como ético, com o que consideramos político e como nas cidades existem determinados lugares de ação política. Você vê o que aconteceu na Turquia, no Egito, no Brasil. Há certos tipos de lugares que quando as pessoas têm que dizer algo, elas têm que dizer naquele lugar.

Mas deve haver alguma característica comum em projetos de urbanismo ecológico…
Uma coisa que é importante é a densidade. A aproximação ajuda a economizar energia. Diz-se que quanto mais denso, mais sustentável. Então Nova York é provavelmente a cidade mais sustentável dos Estados Unidos, onde as pessoas usam o transporte público e dependem menos do automóvel. Nos EUA, nós sabemos, estatisticamente, que as casas estão ficando cada vez maiores, e que há um espraiamento. O quanto é o suficiente? O que você precisa em sua vida para que seja suficiente? Como ter mais qualidade com menos? Como criar espaços para morar em que haja combinação de vida ao ar livre, mas também densidade?

Um arquiteto francês que não gostava muito da moradia mínima proposta pelo do modernismo tentou maximizar o espaço externo dos apartamentos. Em arquitetura isso é chamado design paramétrico: o foco em uma condição específica, maximizando ela. Ao fazer isso ele estava inovando, criando um tipo particular de edifício, da mesma forma que a Lina Bo Bardi quando pegou uma fábrica [onde está hoje o Sesc Pompéia], e pela ideia de reuso adaptativo, criou algo que não existia. É uma espécie de reciclagem. O exemplo de Bo Bardi e do arquiteto francês são inovadores.

Naquele projeto do Artigas próximo daqui tem um arranjo de janelas que se abrem e se fecham afetando o desenho da fachada do edifício. Artigas estava pensando no design do edifício, mas também na luz, no sombreamento. É inovador. Esse é um exemplo da ideia de urbanismo ecológico, que pensa nas condições do lugar, do terreno na colina, a entrada, a qualidade de vida. E aquele edifício é muito diferente dos outros ao redor dele, ou que estão sendo construídos agora, que têm mais a ver com opulência, monumentalidade. Que servem para as pessoas ricas dizerem: ei, eu moro em um apartamento muito caro, com colunas e sacadas enormes. Estes prédios podem ser bem feios, é problemático.

Então, no fim, é uma questão de valores. E os valores estão se movendo mais na direção desses edifícios grandes, pomposos, exuberantes e ostentatórios. Enquanto no projeto de Artigas há um tipo de humildade, mas também um tipo particular de beleza. É preciso aplicar esse tipo de sensibilidade na cidade, nas áreas abertas, no uso do transporte, na redução do uso do carro. É uma combinação de objetivos. É o aumento da infraestrutura, o que é uma forma de presente para os cidadãos, mas também pode ser uma maneira de discriminar as pessoas. Se você está projetando uma cidade, você também precisa pensar na questão da democracia. Na França eles estão alocando os imigrantes nos subúrbios. E não há sistema eficiente de transporte entre o subúrbio e o centro. Então isso também significa um tipo de segregação.

Já que você mencionou isso, São Paulo é bastante segregada, com a população pobre morando na periferia. As classes média-alta e alta acabam ditando em grande medida a agenda do urbanismo da cidade, e a infraestrutura continua se concentrando nos bairros mais consolidados. Como enfrentar essa contradição?
Os governos recorrem cada vez mais à iniciativa privada, ao capital privado. A questão na maioria dos lugares é: do que o governo está abrindo mão quando ele colabora com instituições privadas? Eu acho que, por não terem recursos técnicos e profissionais suficientes para imaginar como as coisas podem ser, por não haver uma visão, apenas um planejamento, não há a possibilidade de mudar o que está configurado, para fazer a urbanização e as melhorias na região onde a classe trabalhadora vive.

A falha fundamental é a maneira como muitas agências governamentais trabalham com as empresas. Eles não pedem o suficiente em troca. Principalmente porque não sabem o que pedir. Mas a arte de desenhar cidades enquanto a arte de criar um lugar foi abandonada pelos governos municipais.

Não há saídas?
A menos que as cidades abracem o conhecimento que é necessário para se engajar nessa tarefa, não há esperança. Porque sempre haverá essa situação política em que os mais ricos têm muito mais capital político e conseguem ser mais bem sucedidos em suas demandas. Daí a discussão ser também sobre ética e política. O que buscamos em uma escola de design não é dizer “olha, eis aqui um novo método” mas sim “ei arquiteto, planejador, urbanista, você não deve ser apenas um profissional do design”. Esses profissionais precisam estar absolutamente engajados na discussão política. A ideia de apenas desenhar belos quarteirões ou conjuntos habitacionais é idiota, é loucura, se você não conhece as consequências políticas. Por isso, em lugares como a Europa e os EUA o status de arquitetos e urbanistas caiu na sociedade, comparado com o de advogados e médicos, por exemplo.

Mas também há a crítica ao planejamento urbano, que é a ideia de que as políticas públicas são separadas do projeto urbanístico. Os dois são como ingredientes de uma receita. Deve existir um escritório de desenho urbano municipal que proponha projetos como parte de um plano global e que diga “aqui deve ser feito um edifício de 40 andares”, por exemplo. Em uma cidade como São Paulo a questão é mais reconstruir do que expandir, pois há muitos lugares com edifícios industriais. Então, ou através da reciclagem ou da reconstrução, a prefeitura precisa dizer como esses diferentes setores devem ser conduzidos dentro da cidade. Se o governo apenas faz políticas mais genéricas, dizendo o que é permitido construir em cada setor da cidade, o resultado é que você tem todos esses edifícios que dão um jeito de contornar as regras para fazer coisas do tipo rico-extravagante. E aí as políticas podem ter consequências bem negativas.

Prédios com selos de qualidade ambiental, completamente vedados e com ar condicionado podem no Brasil, onde não há invernos rigorosos, ser considerados verdes de fato?
A certificação Leed é uma exemplo perfeito do que eu estava falando antes, dessa posição moral baseada em quantificação. O Leed não se importa se você está desperdiçando algo, desde que você seja bastante responsável com a sua “pele de vidro” [tradução livre de ‘triple glazing’; no Brasil existe apenas a vedação completa com vidro, mas não a parede tripla]. Não há uma postura ética. E eu acho que nesses lugares é muito importante entender o clima, entender o que acontece, a que as pessoas estão acostumadas, e pensar em um edifício que responda mais ao meio ambiente. Assuntos como design sustentável podem produzir clichês. As pessoas usam selos de edifício sustentável para dizer que estão fazendo uma coisas boa, como argumento de venda.

Na Europa, nos EUA, o Leed tem sido algo bom no sentido que as pessoas se tornaram mais conscientes sobre o consumo de energia dos edifícios, mas não há reflexão sobre se tudo isso faz sentido mesmo. É uma abordagem amplamente aceita, porque tem a ver com submeter dados e receber um certificado. Mas não é uma abordagem alternativa. No Brasil, um exemplo de boa arquitetura é a maneira como vocês usaram o “brise soleil” [parassol] para criar sombreamento, para barrar o sol. A partir da influência de Corbusier e da primeira geração de modernistas, se criou algo que respondia às condições locais do Brasil. E acho que precisamos de mais coisas assim. Aí a pergunta: como podemos fazer isso?

Veja esse edifício atrás de você [da Fiesp, na avenida Paulista]. Ele procura criar sombreamento através de um efeito de pele [o prédio é recoberto por uma malha metálica]. Por isso a discussão do urbanismo ecológico tem muito a ver com as circunstâncias e uso dos recursos locais. Mas há também perigo quando nos tornamos muito provincianos, muito locais, muito comunidade. Por isso é importante pensar o quadro mais geral em uma cidade como São Paulo, onde há diversidade, onde existe a capacidade para o dissenso, para pontos de vista diferentes, coisa que não existe em uma pequena comunidade.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Perto do Minhocão, projeto de lei vai destinar 50% dos novos imóveis para moradia social

Por Vanessa Correa
06/11/14 16:16

A ideia de demolir o Minhocão ou transformá-lo em parque parece ter apenas vantagens se a questão do fluxo de veículos no elevado for resolvida (com alternativas viárias ou de transporte público).

Mas um exame rápido do perfil dos moradores do entorno mostra que as primeiras centenas de metros a partir do elevado é habitada por uma população de classe média-baixa que só pode estar ali devido à desvalorização dos imóveis causada pelo “efeito Minhocão”. O fenômeno é bem conhecido dos corretores de imóveis da região.

Uma repentina “revitalização” das margens do elevado, com seu sumiço ou transformação em área de lazer, teria como efeito imediato a expulsão de milhares de pessoas do centro.

O problema desses moradores de menor poder aquisitivo entrou na pauta de discussões públicas do projeto de lei que vai regulamentar os prazos e os modos como o Minhocão será progressivamente desativado, como foi estabelecido pelo Plano Diretor aprovado em agosto.

Por isso, os vereadores que encabeçam o projeto, Nabil Bonduki (PT) e Police Neto (PSD), anunciaram que vão incluir no texto que tramita na Câmara Municipal um dispositivo para reservar à habitação social 50% de todos os imóveis construídos ou readaptados (ou como se costuma dizer, retrofitados) até 300 metros de distância do elevado.

Na mesma “Zona de Influência do Parque Minhocão”, 25% desses imóveis deverão ser destinado à habitação popular, que atinge faixas de renda mais altas (até 10 salários mínimos) do que a chamada habitação social (até 6 salários mínimos).

O anúncio foi feito pelo vereador Police Neto aos ativistas do movimento Amigos do Parque Minhocão nesta quinta (6), por e-mail. Se for aprovada na Câmara, a medida é um passo em direção a uma desejada fixação da população de menor renda no centro.

Mas já é sabido que uma vez valorizados os imóveis (o que vai acontecer também com os de interesse social), a tendência é que os moradores de baixa renda acabem vendendo seus apartamentos, como tem sido observado em conjuntos habitacionais construídos em lugares valorizados da cidade.

Tem também o problema dos que moram de aluguel, e não há uma proposta para que estes sejam mantidos na região. Por isso, muitos urbanistas hoje defendem o aluguel social como alternativa mais efetiva para evitar a expulsão de moradores do centro para a periferia.

Fazendo uma conta de padeiro, se a prefeitura e o governo do Estado usassem em subsídios para aluguel social os R$ 20 mil que cada um vai injetar em novas moradias populares pelo programa Casa Paulista, e ainda obtivessem contrapartida igual do Governo Federal, seriam R$ 60 mil para custear, por 12 anos, com R$ 500 reais mensais, o aluguel desses moradores. O dinheiro poderia ser pago à vista ao dono do imóvel sob a condição de que o aluguel fosse reajustado apenas pelo IGP-M, por exemplo.

No entanto, para o poder público a política de habitação social é também uma política econômica, que tem como objetivo incentivar a construção civil. O pagamento de aluguel social não tem esse efeito.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

'Quem projetou a Daslu não pode projetar o anexo do Masp'

Por Vanessa Correa
23/10/14 23:43

Apreciadores da obra de Lina Bo Bardi comemoraram no começo deste mês o anuncio da nova diretoria do Masp de devolver os cavaletes de vidro à pinacoteca do museu. Mas a decisão, museográfica, agora suscita entre arquitetos discussões sobre a urgência do restauro de todo o edifício e sobre a inadequação do projeto arquitetônico do anexo.

“As pessoas não têm ideia de que as últimas gestões destruíram a arquitetura do museu”, diz o arquiteto Marcio Kogan – que está hoje no conselho do Masp. “O museu, internamente, não pode nem mais ser considerado uma obra de Lina Bo Bardi, de tão alterado que está”.

Às vésperas do centenário de seu nascimento, Lina desperta a atenção do mundo. O British Council organizou na Inglaterra um programa de bolsas que patrocina duas viagens por ano para jovens pesquisadores virem ao Brasil estudar a obra dela. Barry Bergdoll, curador de arquitetura do MoMA, é um de seus entusiastas: “Lina Bo Bardi tinha enorme talento em vários campos, da arquitetura à expografia, do desenho gráfico ao mobiliário.”

A percepção de que o Masp, considerado obra prima de Lina, está descaracterizado é compartilhada por Renato Anelli, diretor do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi e professor da USP. Para ele, o legado de quase 20 anos das últimas gestões foi a “eliminação radical de todos os vestígios da concepção museológica de Lina Bo e Pietro Bardi”.

Márcio Kogan cita uma intervenção que é representativa do tratamento que foi dado ao edifício: a troca do piso do Hall Cívico, originalmente de pedra goiás, vinculada à arquitetura popular brasileira, por outro de granito, mais associado a uma certa arquitetura de ostentação que predomina hoje na cidade. A mudança subverte a “Arquitetura Pobre” que Lina concebeu para o museu, após passar uma temporada na Bahia. No memorial da obra, ela comenta esse aspecto:

“Através de uma experiência popular cheguei àquilo que poderia chamar de Arquitetura Pobre. Insisto, não do ponto de vista ético. Acho que no Museu de Arte de São Paulo, eliminei o esnobismo cultural tão querido pelos intelectuais (e os arquitetos de hoje), optando pelas soluções diretas, despidas.”

Para Márcio, o novo conselho é bem intencionado, “mas não tem muita ideia de onde está. Não percebi na pauta da reunião que a restauração do prédio é uma preocupação”.

Se a remoção do piso original é um detalhe simbólico, a volta da transparência total da pinacoteca, com remoção de divisórias e vedações que hoje impedem a entrada da luz natural, é a prioridade máxima para os dois arquitetos e para Marcelo Ferraz, que trabalhou com Lina e hoje é sócio da Brasil Arquitetura.

“A pinacoteca do segundo andar recebia luz do dia pelas duas laterais, se via a cidade lá de dentro”, diz Ferraz. Segundo ele, já existem soluções técnicas para proteger as obras da luminosidade e do calor, como vidros que filtram a luz do sol, hoje usados nos modernos edifícios de escritórios.

Em artigo publicado em 2009 no portal “Vitruvius”, revista eletrônica de arquitetura, Renato Anelli já havia falado sobre a “concepção de dessacralização da obra de arte” presente na ideia de um museu transparente, visualmente aberto para a cidade, em oposição aos museus europeus, fechados, com obras dispostas em ordem cronológica.

E há pressa para a volta da transparência, já que os holofotes estão sobre a obra de Lina nas comemorações do centenário de seu nascimento, com exposições, mostras e livros sendo lançados aqui e no exterior. “A gente gostaria que isso fosse apresentado ao público neste ano. Seria um gesto comemorado no mundo inteiro”.

Depois da pinacoteca, os desejos de retorno da transparência original se voltam para o Hall Cívico. “Não se tem mais a noção que é tudo aberto para o vale. O hall e a biblioteca estão fechados. A sensação é de se estar em um subsolo, e não na encosta, como é de fato”, diz Ferraz. E lembra que, desse espaço, se via o paisagismo dos fundos do museu, com “cascatas e plantas e jardins de papiros maravilhosos”. Hoje, diz, os espelhos d’água estão cheios de brita. “É preciso resgatar o museu como um todo”.

O último disparo de Ferraz é para o anexo do Masp, no edifício ao lado. “Tem uma arquitetura medíocre como a maioria dos edifícios da avenida paulista, mas deveria estar à altura da ousadia de Lina. O projeto é do Júlio Neves [último presidente do museu]. Quem projetou a Daslu [Neves] não pode projetar o anexo do Masp.”

Renato Anelli também acha a arquitetura do anexo, de vidro espelhado, “fraca”, e Márcio Kogan já deixou claro para a nova gestão que não apoiará o anexo com o projeto atual.

Apesar de todas as alterações que pesam sobre o museu e do desejo de retorno das concepções originais, Anelli faz concessões ao presente. “É preciso abrir um diálogo com a sociedade, discutir o papel do museu, a atualidade de sua arquitetura. Tem que ser restaurado no que for possível, considerando ajustes às condições presentes.”

O novo presidente, Heitor Martins, diz que planeja fazer “uma reflexão desses temas”, e que no momento as prioridades são “tomar pé do museu”, atender questões emergenciais e que, no ano que vem, o foco será o acervo, “do qual a arquitetura faz parte”.

Martins condicionou a retirada das bilheterias do vão livre à conclusão do anexo, pelo qual o acesso ao museu passaria a ser feito, ideia que já havia revelado à Folha. Ele também já havia anunciado a reestruturação arquitetônica do segundo andar, removendo as paredes instaladas ali pela antiga diretoria, mas não deixou claro se isso também se refere à abertura dos vidros da fachada.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Contra espigões, Vila Madalena quer plano de bairro já!

Por Vanessa Correa
18/10/14 08:45

Moradores da Vila Madalena saem neste sábado (18), às 15h, em uma passeata contra o que chamam de “destruição” do bairro da zona oeste de São Paulo.

Eles querem evitar a prevista chegada de espigões ao redor da estação de metrô, possibilidade que surgiu depois de o novo Plano Diretor da cidade estabelecer que será possível construir edifícios mais altos perto do transporte público.

O que eles pedem, mais especificamente, é que a prefeitura espere a confecção de planos de bairro antes de concluir a revisão da Lei de Zoneamento, a legislação que cria zonas na cidade com regras específicas para o que se pode construir em cada lote (comércio, residência, indústria) e como devem ser os imóveis (área construída, altura). As oficinas públicas para discutir a proposta da prefeitura para essa lei, apresentada no dia 8, começam neste fim de semana e vão até a primeira quinzena de dezembro.

No manifesto publicado na página do evento “Passeata resiste Madalena: planos de bairro com zoneamento já”, os organizadores dizem não aceitar prédios com mais de oito andares (esse limite está em vigor hoje apenas para o miolo dos bairros) no entorno da estação, e pedem estudo de impacto ambiental e de vizinhança para novos empreendimentos.

Ilustração da página do movimento contra a verticalização da Vila Madalena

Ilustração da página do movimento contra a verticalização da Vila Madalena

“Somos contra a mudança paisagística. E nos preocupamos com o excesso de pessoal que vai vir, não temos infraestrutura. Já não tínhamos água, há quedas de energia, a gente tá colapsado, o trânsito não tá aguentando”, diz a produtora Beatriz Tôrres, 47, uma das organizadoras da passeata e membro do Movimento Antes que a Vila Acabe. No manifesto, também aparece a Frente de Associações de Moradores pelos Planos de Bairro com Zoneamento Já!

A Frente ainda parece ser mais uma intenção do que uma coordenação de associações locais de fato. Beatriz diz não saber se alguma outra organização aparecerá no evento.

Não que não existam bairros produzindo, ou ao menos pensando em produzir seus planos. “Eles [os planos] estão começando a pipocar na cidade toda”, diz o urbanista Cândido Malta Campos Filho, que se dedica, entre outros, à confecção de projetos do tipo, como o que elaborou para Perus (zona norte), e que tramita na Câmara de Vereadores desde a gestão passada.

“A maioria das pessoas quer uma ilha de tranquilidade para morar”, diz o urbanista, que é professor da FAU-USP, diretor da URBE (sua empresa de urbanismo) e ex-secretário de Planejamento da Prefeitura de São Paulo.

Da mesma forma que o tombamento já foi tentado por associações e movimentos de moradores com o objetivo de afastar a verticalização, parece que a nova estratégia é a confecção dos planos de bairro. A própria Vila Madalena chegou a começar uma campanha pelo tombamento de algumas quadras em 2012. Dessa iniciativa é que se formou o grupo que agora encampa o plano.

Mas, pela lei, explica a prefeitura, os planos de bairro deverão considerar as propostas do Plano Diretor para poderem ser incorporados ao novo zoneamento. E a proposta central do Plano Diretor é o adensamento dos corredores de transportes.

Se a prefeitura mantiver sua posição, a brecha que existe para intervir na questão do adensamento é apenas o chamado gabarito, ou seja, a altura dos edifícios. O Plano Diretor, aprovado em julho, permite que se construa até seis vezes a área do terreno quando o empreendimento estiver perto do transporte público. Mas é a Lei de Zoneamento que vai detalhar como esses edifícios devem se configurar no lote –ou seja, sua altura, recuos frontais e laterais etc.

E é possível obter adensamentos semelhantes com alturas diferentes, modificando o quanto do solo de terreno é ocupado.

Campos defende os planos de bairro e diz que “as pessoas têm o direito de escolher o ambiente de vida” e que a rua deve ser mais do que o espaço de se deslocar. “Deve haver convivência. A cidade tem que proporcionar lugares públicos de encontro, não só emprego, não só restaurante. O adensamento tem a ver com isso.”

Ou seja, ele não se coloca contra o adensamento. Mas o quanto pode ser adensado, de acordo com Campos, tem a ver com a capacidade da linha de metrô que há na estação Vila Madalena. “É possível um bairro denso e tranquilo se o transporte coletivo for adotado como principal meio de locomoção”.

Beatriz diz que também não é contra a chegada de mais pessoas à vila, desde que sejam feitos os estudos de impacto e a infraestrutura seja melhorada. “Somos é contra os espigões, que acabam com a paisagem”.

As discussões do zoneamento costumam ser bem quentes, pois mobilizam interesses (muitas vezes contrários) de diversos grupos na cidade: as associações de bairro, os setores da construção e do comércio, os movimentos de moradia.

A revisão da Lei de Zoneamento, segundo a prefeitura, será feita “tendo em vista as características e dinâmicas urbanas e ambientais de São Paulo como um todo”. A participação nas oficinas públicas tem como objetivo articular estas questões gerais às especificidades locais, informa.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Centro bairro "nobre"

Por Vanessa Correa
14/10/14 07:49

Houve um tempo em que a galeria e a rua interna do Copan eram lugares evitados por quem passava pela região da avenida Ipiranga. A onda monumental de Niemeyer, símbolo da modernidade paulistana quando inaugurada nos anos 1950, se tornou a cara da chamada degradação do centro nos anos 1980 e 1990.

A trajetória do Copan de treme-treme a objeto de desejo de jovens cineastas, arquitetos e profissionais criativos em geral é uma amostra das mudanças por que passa o centro de São Paulo. Na última década, os distritos da Sé (centro velho) e da República (centro novo) recuperaram quase toda a população perdida nos anos 1980 e 1990.

O aumento da procura por apartamentos levou aluguéis às alturas. No mesmo Copan, uma quitinete de 40 m², sem vaga de garagem, já custa R$ 1.700 reais ao mês fora despesas de condomínio. Não faz nem uma década eram R$ 300 e estava bem pago.

Hoje, depois de anos de marasmo imobiliário, a cada quarteirão da República se pode encontrar um novo lançamento. O mais inusitado ocupa uma fatia estreita de terreno no final do viaduto Nove de Julho. Oferece quitinetes (agora chamadas estúdios) a quase R$ 15 mil por metro quadrado, preço equivalente aos praticados no Itaim Bibi.

O que não quer dizer que a tão esperada revitalização do centro chegou. Cheia de funcionários de escritórios durante o dia, a região ainda é vazia à noite, quando o comércio que serve esse exército de trabalhadores fecha e a sensação de insegurança toma o lugar do corre-corre.

Mas um novo ingrediente com potencial para ser o fermento do bolo foi  adicionado à massa. A arte e os artistas que nos distritos nova-iorquinos do Soho, Chelsea e Williamsburg induziram a revitalização estão chegando à região.

Os espaços generosos dos apartamentos antigos, ainda a preços menores do que na zona oeste, agora atraem galerias de arte como o Estúdio Lâmina, a Red Bull Station, a Phosphorus e a Tag Gallery, além da galeria Pivô, essa no próprio Copan. Perto dali, na Vila Buarque (ainda no centro), a rua General Jardim já é um polo de escritórios de arquitetura, fotografia e design.

Se soma à chegada da arte o aparecimento de uma pequena cena meio alternativa, meio hype no circuito Copan – avenida São Luiz – praça Dom José Gaspar. São restaurantes como o Ramona e o dona Onça, o Paribar, os bares Estônia, Jazz B e Mandíbula, fora os já tradicionais Almanara, terraço Itália, da Giovanni.

O movimento em direção ao centro não ocorre só em São Paulo. É uma tendência que foi bem documentada nos EUA pelo livro “The Great Inversion” e que em São Paulo está sendo detalhada pela pesquisa do urbanista Kazuo Nakano no Nepo (núcleo de estudos de população da Unicamp).

Ambos estudos mostram a emergência de uma cultura urbana, liderada por adultos jovens de classe média que procuram os bairros mais urbanizados, em vez de condomínios fechados ou lugares estritamente residenciais.

Em seu estudo, Nakano detectou 38 distritos paulistanos que perdiam população nos anos 1990 (-11%), mas voltaram a ganhar nos anos 2000 (8,7%). Juntos, esses distritos formam no mapa uma mancha que recobre o miolo da cidade, ou seja, sua parte mais urbanizada. A periferia ainda cresce, mas a ritmo menor, e sua população tende a envelhecer e a empobrecer —o oposto do centro expandido.

Nos distritos de Nova York que se “revitalizaram” com a arte, depois dos artistas, a chegada de famílias jovens de classe média alta foi o capítulo mais recente da transformação. A cena alternativa deu lugar a um comércio refinado, e os aluguéis, reajustados, empurraram os artistas para novas frentes. Algo semelhante já ocorreu nesta década na praça Roosevelt, e agora nas ruas Augusta e Bela Cintra, ambas na Consolação, também perto do centro.

Esse processo de alta de preços e troca da população por outra de renda maior, normalmente chamado de revitalização, também pode ser definido pelo termo gentrificação, ou enobrecimento. A palavra que vem do inglês “gentry” (nobreza) incorpora uma dimensão socioeconômica a uma análise que, tratada apenas pelo termo revitalização, fica restrita à questão estética.

Estratégias para levar e manter a população mais pobre no centro são importantes não só do ponto de vista da justiça social, mas também para o funcionamento da cidade. O movimento pendular de milhões de trabalhadores da periferia ao centro todos os dias gera trânsito e saturação dos transportes públicos. Trazer as pessoas para perto dos empregos faz parte da solução desse problema.

A prefeitura tanto reconhece essa necessidade que já tem programas para criar moradia popular a preços subsidiados no centro. Desde 2005, o plano diretor da cidade reserva terrenos ali para população de menor renda.

Além disso, uma parceria entre prefeitura, governo do Estado, governo Federal e iniciativa privada está em andamento para criar 14 mil moradias na região central. O programa está orçado em R$ 3,5 milhões.

Mas já existe uma população pobre no centro, e o poder público não parece ter um plano para mantê-la onde está.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

 

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Fluxo de ciclistas aumentou 53% na av. Eliseu de Almeida após ciclovia

Por Vanessa Correa
16/09/14 10:29

Um dos argumentos mais comuns contra as novas ciclovias é que elas estão vazias. Mas quem aposta nas vias exclusivas para bicicletas acredita que, havendo segurança, aos poucos os paulistanos passarão a pedalar mais e a deixar o carro em casa para trajetos curtos.

Ainda é cedo para saber o que vai acontecer. Eu faço parte da segunda turma, e achei animador o resultado de uma recente contagem de ciclistas, feita em 9 de setembro deste ano na avenida Eliseu de Almeida, no Butantã (zona sul), pela Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo).

À esq., homem pedala pela ciclovia de canteiro central implantada em 2013 na av. Eliseu de Almeida (foto Bruno Poletti/Folhapress). Antes, ciclistas disputavam espaço com os carros (foto Juca Varella/Folhapress)

À esq., homem pedala pela ciclovia de canteiro central implantada em 2013 na av. Eliseu de Almeida (foto Bruno Poletti/Folhapress). Antes, ciclistas disputavam espaço com os carros (foto Juca Varella/Folhapress)

Em comparação com a última contagem, de 13 de agosto de 2012, houve um salto de 53% no fluxo de bicicletas, de 580 para 888 ciclistas (entre as 6h e as 20h).

A diferença entre uma e outra medição foi a implantação de uma ciclovia ali, em março de 2013. Mas há ainda que se lidar com a hipótese de que uso de bicicleta cresce independente da chegada da estrutura cicloviária.

Nesse caso, uma contagem mais antiga ajuda a tirar a dúvida. Em 31 de agosto de 2010, a Ciclocidade detectou a passagem de 561 ciclistas na Eliseu (contra os 580 de 2012). Ou seja, quase não houve aumento entre as duas medições feitas antes da chegada da faixa vermelha ali.

A ciclovia da Eliseu de Almeida estava havia quase dez anos no papel e no topo das reivindicações de cicloativistas.

O trecho inaugurado no ano passado tem 2,1 km, e é apenas uma parte do projeto de conexão entre a estação Butantã do Metrô e o município de Taboão da Serra (Grande SP), passando pela avenida Pirajussara.

A rota sempre foi usada por ciclistas que se deslocam de Taboão até o centro expandido de São Paulo para trabalhar. Em fevereiro de 2013, um ciclista morreu atropelado por um caminhão na Pirajussara. Outra morte já havia ocorrido em 2012 na mesma via. Ambas foram seguidas por protestos.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Após 6 anos com tapumes, fachada do prédio do IAB-SP é descoberta

Por Vanessa Correa
06/09/14 01:16

Quando foi projetado, em 1949, o prédio do IAB-SP (Instituto de Arquitetos do Brasil) primou pela integração à cidade, com sua loja envidraçada no térreo e a marquise para abrigar os pedestres do sol e da chuva.

Prédio do IAB-SP com a livraria do térreo visível/ foto Rafael Schmidt - divulgação

Prédio do IAB-SP com a livraria do térreo visível/ foto Rafael Schmidt/Divulgação

Mas, há seis anos, o edifício modernista projetado por arquitetos como Rino Levi na rua General Jardim, na República (região central) estava escondido da rua por tapumes, a espera de verba para uma reforma emergencial de suas estruturas, que foram escoradas para evitar risco aos passantes.

Com a remoção das chapas de compensado na segunda-feira (1), os vizinhos do edifício erguido nos anos 1950 se surpreenderam ao descobrir que ali funciona uma livraria especializada e até um café, conta Toninho Ricarte, dono do estabelecimento, chamado Bookstore.

“Estávamos contando as horas. A chegada da Escola da Cidade [de arquitetura, em 2002] deixou a rua mais segura. Agora, com a vitrine da livraria aberta de novo, acho que vai melhorar mais ainda”, diz Toninho.

A verba para a primeira etapa da reforma do edifício (a obra toda está orçada em R$ 8 milhões) foi obtida por meio da Lei Rouanet, de incentivo à cultura, pois se trata de um bem tombado pelo patrimônio histórico. A CESP (Companhia Energética de São Paulo) entrou com R$ 850 mil e receberá contrapartida por meio de isenção de impostos.

O dinheiro foi obtido após o instituto lançar uma tentativa frustrada de conseguir os recurso via financiamento coletivo na internet. A vaquinha eletrônica resultou em parcos R$ 7 mil, que foram no entanto empregados no restauro de um sofá e uma cadeira do arquiteto e designer Sérgio Rodrigues, que morreu na semana passada.

Com o fim da primeira fase da reforma, o auditório, que fica no subsolo e o antigo restaurante, no mezanino, já podem ser reativados.

“Temos parceiros para instalar o mobiliário e pretendemos abrir um bar e reativar o auditório ainda neste ano”, diz José Armênio de Brito Cruz, presidente do IAB-SP.

Segundo José Armênio, diversas empresas contribuirão com o restauro do edifício, que começa agora. As pastilhas precisam ser trocadas, e a empresa que fabricou as originais, a Vidrotil, se comprometeu em fornecê-las com desconto de até 60%.

Outros parceiros como a empresa de pisos e revestimentos Concresteel, a de instalações hidráulicas Decca e a Abividros (associação brasileira de empresas de vidro) já firmaram parceria com o IAB para fornecer material para a reforma.

José Armênio agora aguarda novos recursos do Estado, via Lei Rouanet, para concluir a obra, ainda sem data para ser concluída. A secretaria do Estado da Cultura afirma que recebeu um pedido de patrocínio, que está em processo de análise.

Sede do IAB-SP antes do final da reforma/ foto Erika Garrido/Folhapress

Sede do IAB-SP antes do final da reforma/ foto Erika Garrido/Folhapress

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Empresa que apagou grafite paga novo painel na avenida 23 de Maio

Por Vanessa Correa
26/08/14 02:18

Depois de apagar, por engano, um mural do grafiteiro Nunca na avenida 23 de Maio, uma empresa que presta serviço de limpeza de muros para a prefeitura teve que se redimir e bancar a pintura de um novo painel do artista no lugar.

Segundo Francisco Rodrigues, 31, o Nunca, a decisão foi tomada em uma reunião com o secretario de Coordenação de Subprefeituras, Ricardo Teixeira.

O painel apagado havia sido feito a convite do Sesc em 2005 e tinha autorização municipal.

Painel intitulado "Os novos canibais", embaixo de viaduto na av. 23 de Maio, na Bela Vista/  foto Eduardo Anizzeli/Folhapress

Grafite “Os novos canibais”, embaixo de viaduto na av. 23 de Maio – foto Eduardo Anizzeli/Folhapress

O novo painel, que é diferente do antigo, está quase pronto e consumiu cerca de 600 latinhas de tinta em seus 10 metros de altura e 30 de largura. Considerando um custo médio por latinha de R$ 20, são R$ 12 mil, fora o aluguel do andaime motorizado necessário para o trabalho.

Nem a prefeitura nem o grafiteiro forneceram o valor total gasto no novo trabalho, que se chama “Os novos canibais”.

A obra apagada havia sido publicada em 2008 no livro “Street Art, The Graffiti Revolution”, lançado por ocasião de uma exposição sobre o tema no Tate Modern, em Londres. Durante o evento, Nunca e a dupla de grafiteiros Os Gêmeos pintaram a fachada do museu.

Em junho, quando o grafite que ficava embaixo do viaduto Jaceguai, na Bela Vista (região central), foi coberto com tinta cinza, a prefeitura afirmou que as empresas terceirizadas responsáveis pelo serviço não conseguem diferenciar “manifestação artística de dano ao patrimônio”.

Agora, a prefeitura trabalha para criar um manual que oriente os funcionários dessas empresas sobre o que deve ou não ser apagado.

A limpeza de grafites têm gerado críticas à prefeitura. No ano passado, uma obra de Os Gêmeos, com referência aos protestos, foi apagada no centro. Os grafiteiros acusaram a gestão de Fernando Haddad (PT) de censura.

O ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) também foi criticado em 2008, quando um mural da dupla foi apagado na Radial Leste.

Em julho deste ano, o artista Thiago Mundano teve uma obra sua “limpa” na rua da Consolação. A intervenção tinha críticas à Copa e mensagens de apoio a ativistas presos pela polícia.

————————–

Curta a página do “Seres Urbanos” no Facebook aqui.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor
Posts anteriores
Posts seguintes
Publicidade
Publicidade
  • RSSAssinar o Feed do blog
  • Emailseresurbanosblog@gmail.com

Buscar

Busca
Publicidade
  • Recent posts Seres Urbanos
  1. 1

    Crítica urbana pela metade

  2. 2

    Nova encíclica papal aborda o direito à cidade

  3. 3

    Casarão tombado ganha renovação na Bela Vista

  4. 4

    Varridas do mapa as primeiras oficinas da Light, no Cambuci

  5. 5

    Arte urbana e patrimônio histórico: discutindo os 'Arcos do Jânio'

SEE PREVIOUS POSTS

Blogs da Folha

Comentários

  • Kátia em Prédio de grife 'assusta' moradores da Vila Madalena
  • sofia em Prédio de grife 'assusta' moradores da Vila Madalena
  • paula em Prédio de grife 'assusta' moradores da Vila Madalena
  • Bruna em Prédio de grife 'assusta' moradores da Vila Madalena
  • emidio em Prédio de grife 'assusta' moradores da Vila Madalena
Publicidade
Publicidade
Publicidade
  • Folha de S.Paulo
    • Folha de S.Paulo
    • Opinião
    • Assine a Folha
    • Atendimento
    • Versão Impressa
    • Política
    • Mundo
    • Economia
    • Painel do Leitor
    • Cotidiano
    • Esporte
    • Ciência
    • Saúde
    • Cultura
    • Tec
    • F5
    • + Seções
    • Especiais
    • TV Folha
    • Classificados
    • Redes Sociais
Acesso o aplicativo para tablets e smartphones

Copyright Folha de S.Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).