Os edifícios revestidos em vidro são símbolo de grandes corporações desde 1958, quando o prédio da Seagram, projeto do arquiteto Mies Van der Rohe, foi erguido no número 375 da Park Avenue, em Manhattan.
Na São Paulo dos anos 1970, os prédios de vidro invadiram a Paulista quando a avenida se transformou em novo centro empresarial da cidade. Mas os escritórios esquentavam como estufas, o que fez o vidro perder o apelo, até que a tecnologia deu novo fôlego a esse revestimento.
Agora, películas internas que filtram a insolação levaram ao surgimento de um mar de edifícios de pele de vidro na Marginal Pinheiros, e outros tantos espalhados pelas avenidas Faria Lima e Berrini. As empresas usam o revestimento para expressar atualidade, arrojo, poder.
Mas em uma cidade de clima tropical, sem os rigores do inverno do hemisfério norte, um prédio todo vedado em vidro, a base de ar-condicionado, se justifica? Não há espaço para os brises do modernismo à brasileira?
O arquiteto Roberto Aflalo, do escritório Aflalo e Gasperini, que projeta uma parte considerável desses edifícios em São Paulo, reflete sobre a pele de vidro na entrevista a seguir. Para Aflalo, o vidro talvez seja “a expressão mais verdadeira” do novo sistema construtivo dos edifícios corporativos, baseado em pilares e vigas “esbeltos”.
Roberto Aflalo (esq.) e seu sócio, Gian Carlo Gasperini (foto Eduardo Anizelli)
A pele de vidro faz sentido considerando nosso clima e nossa tradição arquitetônica?
Hoje pretende-se um ganho de luminosidade natural dentro dos edifícios de escritórios, para reduzir o consumo elétrico. Também existe uma grande aspiração, de quem está dentro do escritório, de ter vistas, de ter amplitude da paisagem. Hoje em dia existem vidros de alta performance, que deixam passar luz mas não calor, que é o grande vilão. Um prédio de escritórios é um grande conjunto de lajes esbeltas apoiadas por pilares também esbeltos. No sistema construtivo moderno dos edifícios comerciais, o fechamento destas estruturas se faz com um painel estruturado em alumínio, como um mosaico de elementos que vão se justapondo, fechando as fachadas. Não existe aquela coisa de fazer alvenaria, jogar massa, aplicar uma pedra colada. O painel de fechamento é uma membrana composta de pedra, granito, alumínio, cerâmica ou vidro. A pedra tem dois a três centímetros de espessura, o alumínio tem meio, o vidro pouco mais de um.
E por que não usar o brise, que foi uma solução do modernismo brasileiro para controlar a insolação?
É uma grande dor de cabeça para prédios de grande porte, altos. Eles são expostos na fachada, dificultam a limpeza e servem como apoio para pássaros. Tem casos de urubus que pousam nos brises e arrancam as gaxetas de borracha das janelas. Os brises também acumulam poeira, poluição. Quando chove, essa poeira escorre e pinta a fachada de sujeira. Uma fachada lisa tende a se manter sempre limpa.
Mas quanto à insolação, os brises são eficientes?
Depende da orientação das fachadas. Fachadas com face para leste e oeste, onde o sol incide quando está mais baixo, com raios mais paralelos à superfície da terra são problemáticas. Para um brise proteger contra esta incidência horizontal, ele praticamente tem que fechar toda a abertura. Isso resolve o problema do sol, mas aí acabou a luz, acabou a vista. Nestes casos a única coisa que resolve, de fato, é uma cortina automatizada de sombreamento, do tipo rolo. Já na orientação norte, onde temos um raio solar com menos inclinação, mais vertical, podemos aplicar brises horizontais, que resolvem boa parte do ganho de calor. No entanto, ao fazer uma simulação de consumo energético do edifício, a diferença é muito pequena entre soluções com brise e sem ele, só com vidro.
Então você acredita que esses prédios são adequados ao clima paulistano?
A tecnologia tem mudado muito esta percepção do certo ou errado. Obviamente estamos falando de prédios grandes. Em escalas menores, onde o acesso e manutenção das fachadas é mais simples, temos mais liberdade de lidar com outros elementos, até com os brises. Mas nas grandes alturas, é muito difícil de justificar. Não que nós não acreditemos nisso. Inicialmente partimos dessa pesquisa em todos os nossos projetos. Fazemos uma enorme quantidade de testes, mas os brises nunca se justificam.
Infinity Tower, projeto do escritório Aflalo e Gasperini na avenida Faria Lima (foto Gal Oppido)
E quanto à racionalidade construtiva. Pode-se dizer que finalmente chegamos, no Brasil, à racionalização que o modernismo tinha como objetivo?
Sim. Na prática o modernismo foi uma expressão muito mais adequada ao sistema construtivo de hoje. É muito curioso fazer um prédio que é construtivamente apoiado em pequenas hastes metálicas, leve, esbelto e depois revesti-lo com uma fachada que aparenta pesar toneladas, como pesavam de fato os edifícios antigos. Fazer um prédio de linguagem clássica em cima de uma tecnologia atual é muito mentiroso. Talvez o vidro seja a expressão mais verdadeira desse sistema construtivo.
E a questão estética dessas fachadas?
Nós não temos uma linha única de trabalho. Eu particularmente busco hoje combinações de vidros coloridos e outros materiais. Estamos evitando o vidro reflexivo pleno pois temos tido surpresas entre as escolhas de amostras e o resultado final. Fatores estéticos como coloração, refletividade, transparência, custos e performance são as variáveis que condicionam as escolhas deste material.
Nossa linha de trabalho evolui em busca sempre de novas soluções. Houve uma época em que o escritório trabalhou com as grelhas estruturais. Tínhamos uma pesquisa enorme com estas grelhas em diversos projetos. O Citycorp na Paulista, por exemplo.
Pode se dizer que a fase das grelhas estruturais foi ultrapassada?
Ela não é ultrapassada. Ela continua sendo uma opção. Era um momento de pesquisa nossa, passamos para outras áreas de interesse. E eventualmente podemos voltar a fazer um prédio de grelha hoje. O edifício recente mais próximo disso é a torre Eldorado, junto ao mesmo shopping. Não deixa de ser uma espécie de grelha, mas é inteiramente revestido com vidro.
Quando seus clientes encomendam os prédios, eles pedem especificamente que sejam revestidos de vidro? A pele de vidro virou uma espécie de símbolo de grandes empresas?
Sim, como primeira opção. Mas temos argumentos para criar alternativas. Eventualmente algum cliente gostaria de ter menos vidro. Aí a gente acaba substituindo uma placa de vidro por uma placa de granito. É uma questão gráfica quase. Já a questão dos brises é mais difícil.
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