Crítica urbana pela metade
02/07/15 11:18Desde fevereiro do ano passado eu tive a liberdade de trazer para este blog os assuntos que me pareceram mais relevantes para discutir a cidade de São Paulo. Foram cerca de cinquenta textos, sobre bicicletas, projetos de requalificação, patrimônio histórico e espaço público.
O post que escrevo agora é para me despedir, mas espero que provisoriamente, enquanto encaro a missão de dar forma a uma seção de valorização do patrimônio histórico na prefeitura de São Paulo.
Decidi fechar essa etapa do blog com uma breve reflexão sobre o direito à cidade, a partir de um quadro do pintor francês Édouard Manet chamado “O Velho Músico”. A obra foi pintada em 1862, quando o barão Georges-Eugène Haussmann era prefeito de Paris e promovia uma grande requalificação urbana na capital francesa.
Na pintura vemos tipos populares reunidos na periferia da capital francesa de então, após serem removidos dos cortiços que ficavam no centro e que cederam lugar às novas grandes avenidas e bulevares de Haussmann.
Manet foi um dos pioneiros da pintura moderna ao preferir os temas do cotidiano, como o entretenimento nos parques e bares da cidade, às representações de acontecimentos mitológicos ou épicos. Mas, atualmente, uma corrente de críticos procura estabelecer Manet também como um pintor com preocupações sociais, e “O Velho Músico” é uma obra que exemplifica essa faceta do pintor.
A expulsão de populações para a periferia decorrente de projetos de valorização urbana abordada pelo mestre francês se repete em todas as partes do mundo desde Haussmann. São Paulo não é exceção, pelo contrário.
Agora, a capital paulista vive um inédito e positivo surto de movimentos de retomada dos espaços públicos. Ainda que bastante restritos ao centro expandido, eles representam uma fabulosa guinada civilizatória na cidade.
Cabe então lembrar que essa concentração de demandas por infraestrutura (e o atendimento delas) no setor centro-sudoeste é histórica, e não por coincidência essa é a parte da cidade em que se concentra a classe média-alta paulistana. E, quanto mais infraestrutura, mais valorização imobiliária, e mais forte se torna a dinâmica de expulsão de camadas mais vulneráveis da população para as periferias, onde não há infraestrutura.
Tudo a favor de pensar uma cidade mais humana, mais feliz, que promova o encontro e o desfrute do lazer no espaço público, como nos bulevares parisienses criados por Hausmann. Mas esses movimentos progressistas, críticos de um urbanismo de mercado desumanizador, podem acabar servindo ao aprofundamento da desigualdade urbana ao se alienarem de discussões de fundo como o absurdo déficit habitacional e a radical segregação urbana de São Paulo. Não dá para ser crítico pela metade.