Nova encíclica papal aborda o direito à cidade
18/06/15 15:50Reconhecendo a importância do direito à cidade em tempos de hiperurbanização, a nova encíclica papal trata do tema em ao menos quatro artigos. Além de reafirmar o princípio de que o direito à propriedade deve estar submetido à sua função social, como publicou Clóvis Rossi em sua coluna hoje.
Aqui um breve resumo do conteúdo de cada artigo e, mais abaixo, a íntegra deles.
150. Cidade para pessoas
Afirma que arquitetos e planejadores devem projetar cidades para pessoas, que promovam “a qualidade de vida das pessoas, a harmonia como o meio ambiente, o encontro e a ajuda mútua”.
151. Preservação do patrimônio comum e fim da segregação urbana
Pede que o patrimônio edificado e os espaços comuns sejam preservados para fortalecer o sentimento de identidade e pertença de seus habitantes. Fala contra a segregação urbana, “para que os habitantes possam ter uma visão de conjunto em vez de se encerrarem nm bairro, renunciando a viver a cidade inteira como um espaço próprio partilhado com os outros”, enfatizado a necessidade de que toda a cidade esteja bem integrada. De de forma que “outros deixam de ser estranhos”.
152. Habitação para todos
Clama pela solução da crise habitacional, “grave em muitas partes do mundo”, uma vez que os orçamentos públicos cobrem apenas uma parte da demanda. Também urge que aglomerados urbanos caóticos não sejam erradicados, mas urbanizados, e quando isso não puder ser evitado devido a risco de vida, que os moradores informados e realocados.
153. Prioridade ao transporte público
Pede prioridade ao transporte público, contra carros utilizados por apenas uma ou duas pessoas, sujeitando os demais a transporte superlotado e de baixa frequência, evitando estacionamentos que prejudicam o tecido urbano.
ÍNTEGRA
150. Dada a relação entre os espaços urbanizados e o comportamento humano, aqueles que projectam edifícios, bairros, espaços públicos e cidades precisam da contribuição dos vários saberes que permitem compreender os processos, o simbolismo e os comportamentos das pessoas. Não é suficiente a busca da beleza no projecto, porque tem ainda mais valor servir outro tipo de beleza: a qualidade de vida das pessoas, a sua harmonia com o ambiente, o encontro e ajuda mútua. Por isso também, é tão importante que o ponto de vista dos habitantes do lugar contribua sempre para a análise da planificação urbanista.
151. É preciso cuidar dos espaços comuns, dos marcos visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença, a nossa sensação de enraizamento, o nosso sentimento de «estar em casa» dentro da cidade que nos envolve e une. É importante que as diferentes partes duma cidade estejam bem integradas e que os habitantes possam ter uma visão de conjunto em vez de se encerrarem num bairro, renunciando a viver a cidade inteira como um espaço próprio partilhado com os outros. Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo, sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções humanas que os alterem constantemente.
152. A falta de habitação é grave em muitas partes do mundo, tanto nas áreas rurais como nas grandes cidades, nomeadamente porque os orçamentos estatais em geral cobrem apenas uma pequena parte da procura. E não só os pobres, mas uma grande parte da sociedade encontra sérias dificuldades para ter uma casa própria. A propriedade da casa tem muita importância para a dignidade das pessoas e o desenvolvimento das famílias. Trata-se duma questão central da ecologia humana. Se num lugar concreto já se desenvolveram aglomerados caóticos de casas precárias, trata-se primariamente de urbanizar estes bairros, não de erradicar e expulsar os habitantes. Mas, quando os pobres vivem em subúrbios poluídos ou aglomerados perigosos, «no caso de ter de se proceder à sua deslocação, para não acrescentar mais sofrimento ao que já padecem, é necessário fornecer-lhes uma adequada e prévia informação, oferecer-lhes alternativas de alojamentos dignos e envolver directamente os interessados».[118] Ao mesmo tempo, a criatividade deveria levar à integração dos bairros precários numa cidade acolhedora: «Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração um novo factor de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projecto arquitectónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro!»[119]
153. Nas cidades, a qualidade de vida está largamente relacionada com os transportes, que muitas vezes são causa de grandes tribulações para os habitantes. Nelas, circulam muitos carros utilizados por uma ou duas pessoas, pelo que o tráfico torna-se intenso, eleva-se o nível de poluição, consomem-se enormes quantidades de energia não-renovável e torna-se necessário a construção de mais estradas e parques de estacionamento que prejudicam o tecido urbano. Muitos especialistas estão de acordo sobre a necessidade de dar prioridade ao transporte público. Mas é difícil que algumas medidas consideradas necessárias sejam pacificamente acolhidas pela sociedade, sem uma melhoria substancial do referido transporte, que, em muitas cidades, comporta um tratamento indigno das pessoas devido à superlotação, ao desconforto, ou à reduzida frequência dos serviços e à insegurança.