Centro bairro "nobre"
14/10/14 07:49Houve um tempo em que a galeria e a rua interna do Copan eram lugares evitados por quem passava pela região da avenida Ipiranga. A onda monumental de Niemeyer, símbolo da modernidade paulistana quando inaugurada nos anos 1950, se tornou a cara da chamada degradação do centro nos anos 1980 e 1990.
A trajetória do Copan de treme-treme a objeto de desejo de jovens cineastas, arquitetos e profissionais criativos em geral é uma amostra das mudanças por que passa o centro de São Paulo. Na última década, os distritos da Sé (centro velho) e da República (centro novo) recuperaram quase toda a população perdida nos anos 1980 e 1990.
O aumento da procura por apartamentos levou aluguéis às alturas. No mesmo Copan, uma quitinete de 40 m², sem vaga de garagem, já custa R$ 1.700 reais ao mês fora despesas de condomínio. Não faz nem uma década eram R$ 300 e estava bem pago.
Hoje, depois de anos de marasmo imobiliário, a cada quarteirão da República se pode encontrar um novo lançamento. O mais inusitado ocupa uma fatia estreita de terreno no final do viaduto Nove de Julho. Oferece quitinetes (agora chamadas estúdios) a quase R$ 15 mil por metro quadrado, preço equivalente aos praticados no Itaim Bibi.
O que não quer dizer que a tão esperada revitalização do centro chegou. Cheia de funcionários de escritórios durante o dia, a região ainda é vazia à noite, quando o comércio que serve esse exército de trabalhadores fecha e a sensação de insegurança toma o lugar do corre-corre.
Mas um novo ingrediente com potencial para ser o fermento do bolo foi adicionado à massa. A arte e os artistas que nos distritos nova-iorquinos do Soho, Chelsea e Williamsburg induziram a revitalização estão chegando à região.
Os espaços generosos dos apartamentos antigos, ainda a preços menores do que na zona oeste, agora atraem galerias de arte como o Estúdio Lâmina, a Red Bull Station, a Phosphorus e a Tag Gallery, além da galeria Pivô, essa no próprio Copan. Perto dali, na Vila Buarque (ainda no centro), a rua General Jardim já é um polo de escritórios de arquitetura, fotografia e design.
Se soma à chegada da arte o aparecimento de uma pequena cena meio alternativa, meio hype no circuito Copan – avenida São Luiz – praça Dom José Gaspar. São restaurantes como o Ramona e o dona Onça, o Paribar, os bares Estônia, Jazz B e Mandíbula, fora os já tradicionais Almanara, terraço Itália, da Giovanni.
O movimento em direção ao centro não ocorre só em São Paulo. É uma tendência que foi bem documentada nos EUA pelo livro “The Great Inversion” e que em São Paulo está sendo detalhada pela pesquisa do urbanista Kazuo Nakano no Nepo (núcleo de estudos de população da Unicamp).
Ambos estudos mostram a emergência de uma cultura urbana, liderada por adultos jovens de classe média que procuram os bairros mais urbanizados, em vez de condomínios fechados ou lugares estritamente residenciais.
Em seu estudo, Nakano detectou 38 distritos paulistanos que perdiam população nos anos 1990 (-11%), mas voltaram a ganhar nos anos 2000 (8,7%). Juntos, esses distritos formam no mapa uma mancha que recobre o miolo da cidade, ou seja, sua parte mais urbanizada. A periferia ainda cresce, mas a ritmo menor, e sua população tende a envelhecer e a empobrecer —o oposto do centro expandido.
Nos distritos de Nova York que se “revitalizaram” com a arte, depois dos artistas, a chegada de famílias jovens de classe média alta foi o capítulo mais recente da transformação. A cena alternativa deu lugar a um comércio refinado, e os aluguéis, reajustados, empurraram os artistas para novas frentes. Algo semelhante já ocorreu nesta década na praça Roosevelt, e agora nas ruas Augusta e Bela Cintra, ambas na Consolação, também perto do centro.
Esse processo de alta de preços e troca da população por outra de renda maior, normalmente chamado de revitalização, também pode ser definido pelo termo gentrificação, ou enobrecimento. A palavra que vem do inglês “gentry” (nobreza) incorpora uma dimensão socioeconômica a uma análise que, tratada apenas pelo termo revitalização, fica restrita à questão estética.
Estratégias para levar e manter a população mais pobre no centro são importantes não só do ponto de vista da justiça social, mas também para o funcionamento da cidade. O movimento pendular de milhões de trabalhadores da periferia ao centro todos os dias gera trânsito e saturação dos transportes públicos. Trazer as pessoas para perto dos empregos faz parte da solução desse problema.
A prefeitura tanto reconhece essa necessidade que já tem programas para criar moradia popular a preços subsidiados no centro. Desde 2005, o plano diretor da cidade reserva terrenos ali para população de menor renda.
Além disso, uma parceria entre prefeitura, governo do Estado, governo Federal e iniciativa privada está em andamento para criar 14 mil moradias na região central. O programa está orçado em R$ 3,5 milhões.
Mas já existe uma população pobre no centro, e o poder público não parece ter um plano para mantê-la onde está.
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