Por que o novo Plano Diretor tem tudo para sair do papel
14/08/14 10:05É bem conhecido dos urbanistas brasileiros o artigo “As Ilusões do Plano Diretor”, de Flavio Villaça. Nele, o arquiteto argumenta que os planos são peças ideológicas: ao alcançar um amplo consenso social em torno de suas “verdades”, mudam tudo no papel para que nada mude no solo da cidade.
Mas não é culpa do influente texto que os planos andem desacreditados. Basta observarmos o que aconteceu em São Paulo.
As propostas do Plano Diretor paulistano de 2002 para a mobilidade, para a habitação e para financiar essas transformações não deram em muita coisa. Qualquer morador pode atestar.
Essas mesmas propostas estão no novo Plano Diretor. Aprimoradas por mecanismos que as tornam auto-aplicáveis ou por exclusão de brechas que facultavam sua aplicação, devem tirar do papel o que já estava no texto antigo.
Leia abaixo o que mudou no plano e tire suas próprias conclusões.
FINANCIAMENTO DAS MUDANÇAS
No plano antigo a grande promessa para financiar as melhorias da cidade foi a cobrança pelo direito de construir acima do limite básico do terreno. Doze anos depois, quase nada foi arrecadado para o Fundurb (o fundo para obras urbanas do município). Só 12,5% do total de metros quadrados erguidos pagaram taxa à prefeitura.
Como era em 2002
Uma brecha no plano permitiu construir além do limite básico sem ter que pagar por isso, caso o empreendedor mantivesse grande área de solo livre. Era a chamada Fórmula de Adiron. O resultado foi que, de uma receita de R$ 95 bilhões em vendas de empreendimentos imobiliários, a prefeitura só conseguir arrecadar R$ 1,25 bilhão (o equivalente a 1%).
O dispositivo, além de solapar a arrecadação, ajudou a gerar o pouco civilizado modelo de edifício alto no centro do lote, que resulta na paisagem tipo paliteiro e nos condomínos fechados para a cidade.
Como é agora
A fórmula de Adiron foi extinta. E o limite para construir sem ter de pagar à prefeitura é de uma vez o tamanho do terreno. Antes, em grande parte da cidade se podia construir até duas vezes de graça.
HABITAÇÃO
Mais da metade dos terrenos destinados no plano de 2002 a moradias de pessoas pobres (as chamadas Zeis) não recebeu nenhum edifício. No centro expandido, a situação foi ainda pior: dos edifícios construídos, quase a metade virou prédio para as classes A e B.
Como era em 2002
Um acordo de última hora na Câmara dos Vereadores deu prazo de até seis meses para os donos de terrenos gravados como Zeis protocolarem projetos que não fossem de habitação social.
Como é agora
A brecha para protocolar projetos não existe no novo plano. E mais importante: 30% do dinheiro que será arrecadado para o Fundurb (citado no primeiro tópico) deverá ir para a habitação social. A verba é carimbada e não precisa de lei complementar. Está no plano e está valendo.
MOBILIDADE
O adensamento dos eixos de transportes, cerne do plano atual, já existia no plano anterior, mas nunca saiu do papel (falei sobre isso em um post recente).
Como era em 2002
A possibilidade de construir quatro vezes o tamanho do terreno perto de corredores de transportes e estações era condicionada a apresentação de um projeto urbano detalhado na forma de lei.
Como é agora
A possibilidade de construir quatro vezes o tamanho do terreno perto dos eixos de transportes não depende de lei complementar. É só chegar e construir.