Adensamento perto do transporte já estava no Plano Diretor de 2002
14/07/14 07:41Ideia central do novo Plano Diretor, o incentivo ao adensamento de corredores de transporte não é uma novidade. A estratégia já estava descrita no plano de 2002 sob o nome de AIUs (Áreas de Intervenção Urbana).
Agora, o que era AIU virou “eixo de estruturação e transformação urbana”. As AIUs delimitavam uma área semelhante à dos atuais eixos: até 300 metros ao lado de corredores de ônibus e até 600 metros ao redor das estações de trem e metrô.
Mas, como se pode notar pelos espigões espalhados arbitrariamente pela cidade, as AIUs não pegaram. De fato, nenhuma AIU saiu do papel.
Se, em termos meramente geográficos, as ferramentas de 2002 e 2014 coincidem, em termos estratégicos elas são opostas.
A grande diferença é que uma AIU só poderia ser implantada mediante projeto urbanístico detalhado. Ou seja, após definidos como, quanto e onde construir prédios residenciais e os edifícios comerciais, equipamentos como postos de saúde e bibliotecas, parques e praças, calçadas e calçadões. Assim como para os atuais eixos de estruturação, se poderia erguer até quatro vezes o tamanho dos lotes.
Nesse sentido as AIUs eram a proposta ideal do ponto de vista técnico, e talvez por isso mesmo tenham ficado só no plano das ideias. Assim como as operações urbanas previstas no plano de 2002. Das oito criadas, só a da Água Branca virou lei.
Mas por que não conseguimos fazer projeto em São Paulo?
A falta de pressão da sociedade é uma das razões, diz o relator do plano na Câmara Municipal, o vereador Nabil Bonduki (PT), que é urbanista e professor da faculdade de arquitetura da USP.
“Não temos cultura de fazer projeto, as pessoas não veem a importância disso. Por outro lado, a capacidade do poder público de fazê-los é baixa”, afirma o relator.
Com o novo plano, não é necessário um projeto urbano para que o mercado possa erguer edifícios com área equivalente a quatro vezes à de seu terreno. No restante da cidade, o limite de construção é em geral de apenas duas vezes.
Graças à possibilidade automática de construir mais, o adensamento dos eixos agora é quase certo, diferente do que ocorreu com as AIUs.
Algumas diretrizes foram estabelecidas para tentar garantir um mínimo de urbanidade nesses locais. Pelo plano, uma faixa de terreno deve ser reservada para alargamento de calçadas, e muros podem fechar apenas 25% da frente do imóvel –embora o restante ainda possa ser vedado com grades.
Além disso, ao menos 20% da área do lote (construída ou livre) deve se destinar à fruição pública. O que não está explicado é como haverá fruição pública de fato se o terreno pode ser gradeado.
Daí para frente, entra-se no âmbito dos incentivos: áreas reservadas a estabelecimentos comerciais e de serviços no térreo serão descontadas do total de metros quadrados permitido no lote sem a cobrança de taxas. Vagas de garagem que ultrapassarem o limite de uma unidade por apartamento terão de pagar taxa.
Como se trata de incentivo financeiro, condicionantes do mercado é que vão determinar se produzirão o efeito desejado.
Para definir mais claramente com que qualidade ocorrerá o adensamento dessas áreas, a Lei de Zoneamento, cuja revisão já está sendo preparada, poderia transformar em regras, considerando as características e necessidades locais, parte ou o total de diretrizes que se pretende apenas incentivar.
Do jeito que estão, essas medidas ainda são insuficientes para afastar de vez o modelo condomínio-clube com espigões no centro do lote que tanto destruiu a vida de rua e a paisagem da cidade.
Poder construir quatro vezes a área do terreno é uma vantagem e tanto para o mercado. No plano anterior, isso só era possível em uma parte dos centros de bairro. A cidade merece uma contrapartida à altura.
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